quarta-feira, maio 23, 2007

Na Eucaristia, está verdadeiramente o corpo de Cristo, ou só em figura ou como símbolo?

Precisei de uma tradução de um artigo da suma para argumentar em uma polemica, vou aproveitar e deixa-la aqui, caso alguém mais precise. Lembrem-se de que São Tomás normalmente começa apresentando os erros, depois desenvolve a questão e finalmente apresenta as respostas a cada erro.

Suma Teológica - IIIa (Tertia)
Q.75 - A Conversão do pão e do vinho no corpo e sangue de Cristo.
Artigo 1

Neste sacramento, está verdadeiramente o corpo de Cristo, ou só em figura ou como símbolo?

Objeções pelas que parece que neste sacramento não está realmente o corpo de Cristo, senão só em figura ou como símbolo.

1. Diz-se em Jo 6,54.61.64 que quando o Senhor disse: Se não comerdes a carne do filho do homem e não beberdes seu sangue, etc., muitos de seus discípulos ao ouví-lo disseram: Esta linguagem é dura, a quem ele respondeu: O espírito é que vivifica, a carne de nada serve. Como se dissesse, segundo a explicação de Santo Agostinho Super Quartum Psalmus: Entendei em sentido espiritual o que vos disse, pois não tereis que comer este corpo que veis, nem tereis que beber o sangue que fá-me-ão derramar os que me crucifiquem. Comuniquei-vos um mistério. Entendido espiritualmente vos vivificará. Mas a carne não serve para nada.

2. Ainda mais: o Senhor diz em Mt 28,20: Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo. E Santo Agostinho explica-o assim : Até que o mundo se acabe o Senhor está no céu. No entanto, também está aqui conosco a verdade do Senhor. Porque o corpo com que ressuscitou não pode estar em mais que um só lugar. Mas sua verdade em todas as partes se encontra. Logo o corpo de Cristo não se encontra realmente neste sacramento, senão sómente como símbolo.

3. Nenhum corpo pode estar ao mesmo tempo em vários lugares, já que nem sequer um anjo pode fazê-lo. E se pudesse, poderia estar também em todas partes. Mas o corpo de Cristo é verdadeiro corpo, e está no céu. Logo parece que não está realmente no sacramento do altar, senão somente como símbolo.

4. Os sacramentos da Igreja estão destinados à utilidade dos fiéis. Mas segundo São Gregório em uma Homilía, o soberano foi repreendido por reclamar a presença corporal de Cristo. Ademais, o apego que os apóstolos tinham a sua presença corporal impedia que recebessem o Espírito Santo, como diz Santo Agostinho comentando Jo 16,7: Se Eu não for, o Paráclito não virá a vós. Logo Cristo não está no sacramento do altar com presença corporal.

Contra isto: diz Santo Hilário no VIII De Trin. : Não há lugar para dúvidas sobre a realidade da carne e do sangue de Cristo. Nosso Senhor ensina e nossa fé aceita que agora sua carne é verdadeira comida e seu sangue é verdadeira bebida. E Santo Ambrósio no VI De Sacramentes afirma: Como o Senhor Jesus Cristo é verdadeiro Filho de Deus, assim é verdadeira a carne de Cristo a que nós recebemos e é verdadeiro seu sangue.

Respondo: Que neste sacramento está o verdadeiro corpo de Cristo e seu sangue, não o podem verificar os sentidos, senão somente a fé, que se fundamenta na autoridade divina. A respeito das palavras de Lc 22,19: Isto é o meu corpo, que é dado por vós, diz São Cirilo : Não duvides de que isto seja verdade, senão recebe com fé as palavras do Salvador, já que, sendo a verdade, não mente. Agora bem, esta presença se ajusta, em primeiro lugar, à perfeição da nova lei. Porque os sacrifícios da antiga lei continham esse verdadeiro sacrifício da paixão de Cristo somente em figura, de acordo com o que se diz em Heb 10,1: A lei, por ser apenas a sombra dos bens futuros, e não sua expressão real. Era justo, por tanto, que o sacrifício da nova lei, instituído por Cristo, tivesse algo mais, ou seja, que contivesse o próprio Cristo crucificado, não somente simbolizado ou em figura, senão também em sua realidade. E, por isso, este sacramento que contém realmente o próprio Cristo, como diz Dionisio em III De Eccl. Hier., é perfectivo(que mostra perfeição) de todos os sacramentos, que somente contêm a virtude de Cristo.

Segundo, esta presença ajusta-se à caridade de Cristo, pela que assumiu um corpo real da mesma natureza que a nossa para nossa salvação. E, porque é próprio à amizade compartilhar a vida com os amigos, como diz o Filósofo em IX Ethic., Cristo prometeu-nos sua presença corporal, como prêmio, no texto de Mt 24,28: Onde estiver o cadáver, ai se ajuntarão os abutres. Entretanto, contudo, não quis nos privar de sua presença corporal no tempo da peregrinação, senão que nos une com ele neste sacramento pela realidade de seu corpo e de seu sangue. Por isso diz em Jo 6,57: assim também aquele que comer a minha carne viverá por mim. Por tanto, este sacramento é símbolo da maior caridade e alento de nossa esperança, pela união tão familiar de Cristo conosco.

Terceiro, esta presença ajusta-se à Perfeição da fé, que tem por objecto tanto a divindade de Cristo como a humanidade, segundo as palavras de Jo 14,11: Crede-me: estou no Pai, e o Pai em mim. E, já que a fé é a respeito das coisas invisíveis, da mesma maneira que Cristo nos propõe sua divindade invisível, assim neste sacramento nos propõe sua carne de modo invisível. E, por não considerar estas razões, alguns sustentaram a opinião de que o corpo e o sangue de Cristo não estão neste sacramento mais que como símbolo. Mas tem de ser recusada esta opinião como herética por ser contrária às palavras de Cristo. Daí que Berengário, primeiro inventor deste erro, fosse obrigado a retratar-se depois, e confessasse a verdade da fé .

Às Respostas:
1. Os hereges que acabámos de mencionar tomaram ocasião para seu erro da autoridade de Santo Agustinho, interpretando mal suas palavras. Porque, quando diz Santo Agustinho: Não tereis que comer este corpo que veis, não pretende excluir a realidade do corpo de Cristo, senão somente afirmar que não lhe tinham de comer na mesma forma em que eles lhe viam. Quando diz: Comuniquei-vos um mistério. Entendido espiritualmente, vos vivificará, não pretende dizer que o corpo de Cristo está neste sacramento em sentido místico somente, senão que está espiritualmente, ou seja, invisivelmente e com as propriedades do espírito. Por isso em Super lo., explicando as palavras: a carne não serve para nada, afirma: do modo que eles o entenderam. Porque eles entenderam que tinham de comer sua carne como se tira pedaços de um cadáver ou como se vende no açougue e não como animada pelo espírito. Que desça o espírito sobre a carne e servirá para muito. Porque se a carne não serve para nada, o Verbo não se faria carne para habitar entre nós.

2. À segunda há que se dizer: As palavras de Santo Agustinho e outras semelhantes têm de entender-se sobre o corpo de Cristo fisicamente visível, do modo que o próprio Senhor diz em Mt 26,11: mas a mim nem sempre tereis. Invisivelmente, no entanto, sob os elementos deste sacramento, está onde quer que se realize este sacramento.

3. O corpo de Cristo não está neste sacramento como um corpo está num lugar com o qual coincidem todas suas dimensões, senão do modo especial e próprio deste sacramento. Daí que digamos que o corpo de Cristo está em diversos altares, não como diferentes lugares, senão como está no sacramento. O qual não quer dizer que Cristo esteja ali somente como símbolo, ainda que o sacramento pertença à categoria dos símbolos, senão que entendemos que o corpo de Cristo está aí, como já se disse, do modo próprio e peculiar deste sacramento.

4. A Objeção é válida se refere-se à presença do corpo de Cristo fisicamente entendida, ou seja, em seu semblante visível, mas não se se refere à presença espiritual, ou seja, invisível, segundo o modo e as propriedades do espírito. Pelo que Santo Agustinho diz em Super lo. : Se entendeste espiritualmente as palavras de Cristo sobre sua carne, serão para ti espírito e vida. Se entendeste-as carnalmente, também são espírito e vida, mas não o são para ti.

Traduzido a partir do espanhol em
http://hjg.com.ar/sumat/d/c75.html

quarta-feira, maio 09, 2007

Ciência x Religião

L'AMOR CHE MUOVE IL SOLE E L'ALTRE STELLE
Gustavo Corção

O presente texto é parte de uma longa polêmica contra o filósofo Euryalo Cannabrava, que então publicara alguns artigos atacando a filosofia tomista. A tese a que alude Gustavo Corção é a que levaria o sr. Euryalo à cátedra de filosofia do Pedro II.

Um curioso exemplo da falta de precisão científica em que incide certa espécie de filosofia cientificista, pode ser colhido na página setenta e quatro da tese que o Sr. Euryalo Cannabrava apresentou no seu concurso. Depois de muitas considerações tortuosas sobre a diferença que existe entre a linguagem científica e a linguagem poética, diz ele o seguinte:
"Cabe aqui perguntar se a frase "L'Amore que muove il sole e l'altre stelle" poderá ser considerada uma proposição. A fim de responder a essa pergunta, é necessário resolver preliminarmente se o seu enunciado será falso ou verdadeiro. Sob o ponto de vista da linguagem científica "L'Amore que muove il sole e l'altre stelle" se considera falso. o que move o sol e as estrelas não é o amor, mas o que está expresso na lei de Kepler, de acordo com a qual os astros descrevem, na sua órbita, uma elipse de que o sol ocupa um dos focos."
Analisemos esta passagem. Preliminarmente devemos notar que o verso de Dante diz "L'Amor" e não "L'Amore"; e que em italiano se diz "che" e não "que". Parece-me também que a construção "os astros descrevem, na sua órbita, uma elipse" ficaria muito melhor assim: "... os astros descrevem órbitas elípticas" ou "... descrevem elipses". Assim como está, a frase dá uma idéia engraçada: a órbita parece uma pista, uma estrada, na qual o astro faça uma elipse. Tudo isto porém importa relativamente pouco; o que importa é o conteúdo. Vamos a ele.
Diz o autor que não é o amor que move o sol e as estrelas, é o que está expresso na lei de Kepler. Ora, essa proposição, apesar das aparência, é muito menos científica do que o verso de Dante. Essa proposição é falsa. As leis de Kepler exprimem apenas como se movem os astros e não o que os move. Quando o grande astrônomo enuncia que os planetas descrevem elipses em que os quadrados dos tempos de revolução são proporcionais aos cubos dos eixos maiores, a causa eficiente, aquilo que move, não entra de modo algum em seu enunciado. E basta esse pequeno detalhe para me autorizar a dizer que a frase "o que move o sol e as estrelas é o que está expresso na lei de Kepler..." seria admissível na boca de um desprevenido bombeiro hidráulico que acabasse de ler o último número de Seleções, mas é imperdoável na tese de um candidato à cátedra de filosofia. Essa frase revela um irrecuperável escript de lourdeur, uma absoluta ausência de precisão cientifica, e sobretudo uma total incapacidade filosófica.
Além disso cumpre notar que as leis de Kepler só se referem aos movimentos planetários e que, por conseguinte, nem para exprimir apenas o modo do movimento convém ao sol e às estrelas, cujos movimentos próprios nada têm a ver com essas leis. Devo também assinalar que as órbitas planetárias só são elípticas se não levarmos em conta o movimento próprio do sol e as perturbações dos outros planetas. Há portanto na frase em questão um erro formal e um erro material.
Mas o erro grave que torna a frase falsa, realmente falsa, cientificamente falsa, astronomicamente falsa, é a ingênua e grosseira afirmação de que as leis de Kepler exprimem a causa eficiente, aquilo que move os astros. Para ilustrar melhor esse tipo de erro, passando-o da astronomia a um fenômeno mais trivial, eu imagino o sr. Cannabrava ao lado de Dante, a observar a travessura de um garoto que atirou uma pedra no lampião da esquina. Dante Alighiere, com profunda sabedoria, dirá:
— Aquele menino quebrou o lampião.
E o sr. Euryalo Cannabrava, olhando com superioridade os ressecados louros do florentino, corrigirá:
— Não, o que moveu a pedra e conseqüentemente quebrou o vidro é o que está expresso pela lei parabólica do movimento dos corpos pesados...
Deve-se então punir a equação, e não o garoto.
Se o autor daquela frase tivesse dito "leis de Newton" em lugar de leis de Kepler, o erro de sua proposição seria menos aparente, porque aquelas leis, embora ainda sejam expressões de modalidade, incluem uma referência à causa próxima da interação dos corpos celestes. Os corpos se atraem na proporção direta das massas e na inversa do quadrado das distâncias. Cinqüenta anos depois do grande Kepler, o imenso Newton virá dar maior unidade à mecânica celeste. Mas ainda não se pode dizer com propriedade que o que move o sol e as estrelas é o que está expresso na equação de Newton. A gravitação universal é um fato físico, e a lei de Newton descreve como agem os corpos dentro dessa realidade física que em si mesma é distinta dos símbolos matemáticos. A realidade das causas mais profundas que movem os astros escapa ao tratamento matemático e pertence ao domínio propriamente filosófico pelo qual o Sr. Cannabrava nutre tamanha aversão. Posso convir que uma pessoa seja agnóstica e que leve seu positivismo até o ponto de se desinteressar pelas causas profundas. Neste caso, porém, deve dizer: eu não sei o que é que move os astros, só sei que eles se movem assim...
A gravitação universal que o físico examina e mede é o aspecto sensível, quantitativo, de uma gravitação universal metafísica dentro da qual todas as naturezas, incluindo as supra-sensíveis, se movem segundo suas intrínsecas inclinações. Os filósofos, que Dante conhecia muito bem, falam num apetite natural. Qualquer manual elementar de filosofia ensina que na raiz de cada natureza há inclinações, ordenações essenciais que a movem para o seu fim ou para o seu bem. A noção de bem metafísico, coextensiva à noção de ser, é análoga ao que há de atraente e atrativo nas massas dos corpos físicos. Atrás das fórmulas de Newton há portanto, a realidade subjacente, a massa real, a corporiedade, que o físico matemático deixa ao abstrair o quantitativo que designa pela letra m: como atrás das medidas antropométricas do sr. Cannabrava há uma realidade humana maior e muito mais respeitável do que suas dimensões. E atrás do dinamismo expresso pelas forças designadas pela letra f há a realidade maior, subjacente, do dinamismo da natureza que os filósofos chamam de apetite natural.
Quando se trata de movimentos consciente de seres racionais, e conseguintemente livres, esse apetite se chama amor. Os filósofos da tradição aristotélico-tomista usam freqüentemente o termo "amor" em sentido largo, como sinônimo de apetite natural. No vocabulário de Lalande, por exemplo, encontramos: "Amor, sentido A: nome comum a todas as tendências atrativas, etc." Em São Francisco de Salles, no Traité de l'Amour de Dieu, encontramos a expressão amor aplicada à atração entre o ferro e o imã. No compêndio de Thonnard encontraremos a expressão amor para designar o tropismo das plantas.
Ora, isto nos mostra que o verso de Dante é muito mais verdadeiro (cientifica e filosoficamente) do que a pesada e torta frase do candidato à cátedra do Pedro II. Dizendo que é o amor que move os astros, o poeta anunciava, trezentos e tantos anos antes de Newton, a gravitação universal. Além disso o verso de Dante tem um sentido principal que ainda é mais profundo, que é mais verdadeiro do que todas as equações do mundo. Se nós pensarmos na causa primeira e no Motor de todos os seres, e se nós pensarmos no Fim a que todos os seres estão ordenados, veremos que em primeira e última instância é Ele que move o sol e as estrelas. Ora, o seu nome é Amor.
Aliás, o bom Kepler conhecia esse nome, e nunca pretendeu substituí-lo por suas equações. É no seu livro Harmonices Mundi Libri V que o grande astrônomo, depois de uma série de cogitações mais ou menos destituídas de valor, anuncia a sua grande descoberta. E eis como arremata ele, no estilo do salmista, sua memorável comunicação sobre as órbitas planetárias:
"A sabedoria de Deus é infinita, assim como sua Glória e seu Poder. Céus, cantai o seu louvor. Sol, lua, planetas, glorificai-o na vossa linguagem inefável. Harmonias celestes, e vós todos que procurais compreendê-las, louvai-o. E tu, alma minha, louva o teu Criador. É por Ele e n'Ele que tudo existe. O que nós ignoramos está encerrado n'Ele, bem como a nossa vã ciência. A Ele louvor, honra e glória, em todos os séculos e séculos".
E logo abaixo desse hino o bom astrônomo acrescentou esta tocante palavra de humana gratidão: "Glória também a Moestin, o meu velho professor".
Por onde se vê que é também o amor (stricto sensu) que move os verdadeiros astrônomos.
P.S. O divertido desafio que me lançou o sr. Cannabrava terá resposta satisfatória na primeira oportunidade. Agradeço penhorado os telegramas do major Schneider e do capitão Alencastro, bem como o telefonema do major Solano, relativos ao artigo que escrevi sobre o inesquecível amigo Nathan Neugroschel.
(Diário de Notícias, 28-12-52)

terça-feira, maio 08, 2007

Uma Tartaruga Frustrada

Sempre gostei de aprender, leio muito, deste pequeno, acho que efeito dos muitos livros que me cercavam em casa.
Mas como em todo vício, saturado pela continuidade, as doses ficam insuficientes e devem crescer, com isto, a necessidade de ler mais, aprender mais, vai exigindo um conhecimento cada vez mais profundo. E este conhecimento mais profundo exige princípios mais aprofundados. E chega um momento que, parece-me, cada frase lida exige um novo conhecimento, que deve ser buscado, e o "conhecimento todo" fica mais longe, com mais etapas para ser compreendido.
Parece-me, que após cada nova leitura, há mais coisas a ler, e o tempo para isto diminuiu. E na flor dos 35 anos já não sei se poderei ler tudo que almejo.
Lembro-me de uma estória que falava do animal de estimação mais frustrado do mundo, uma tartaruga, que de tanto conviver com um cachorro, adquiriu deste o mesmo tique, correr atrás e morder os pneus dos carros que passavam.

Só um desabafo!